1. Descrição da doença – Aflatoxicose é uma intoxicação resultante da ingestão da aflatoxina em alimentos e rações contaminadas. As aflatoxinas são um grupo de compostos tóxicos produzidos por certas cepas dos fungos Aspergillus flavus e A. parasiticus. Em condições favoráveis de temperatura e umidade, estes fungos crescem em certas rações e alimentos, resultando na produção das aflatoxinas. As contaminações ocorrem com maior intensidade em nozes, amendoins e outras sementes oleosas, incluído o milho e sementes de algodão. As principais toxinas de interesse são designadas de B1, B2, G1 e G2. Estas toxinas são geralmente encontradas associadas em vários alimentos e rações, em diferentes proporções. Entretanto, a aflatoxina B1 é geralmente predominante, sendo também a mais tóxica. A aflatoxina M, o principal metabólito da aflatoxina B1, em animais, é geralmente excretada no leite e urina de vacas leiteiras e outras espécies de mamíferos que tenham consumido alimento ou ração contaminada por aflatoxina.
A aflatoxina causa necrose aguda, cirrose e carcinoma de fígado em diversas espécies animais. Nenhuma espécie animal é resistente aos efeitos tóxicos da aflatoxina, assumindo-se que humanos possam ser igualmente afetados. Uma grande variação nos valores da DL50 tem sido obtida em espécies animais testadas com doses únicas de aflatoxina. Para a maioria das espécies, a DL50 varia de 0,5 a 1,0 mg/Kg corpóreo. As espécies animais respondem diferentemente quanto à susceptibilidade a toxicidade crônica e aguda da aflatoxina. A toxicidade pode ser influenciada por fatores ambientais, quantidade e duração de exposição, idade, estado de saúde e nutricional. A aflatoxina B1 é potencialmente carcinogênica em muitas espécies, incluindo primatas, pássaros, peixes e roedores. Em cada espécie, o fígado é o primeiro órgão atacado. O metabolismo tem importante papel na determinação da toxicidade da aflatoxina B1. Estudos mostram que esta aflatoxina requer ativação do metabolismo para exercer efeito carcinogênico e estes efeitos podem ser modificados pela indução ou inibição das funções combinadas do sistema de oxidase.
Em países desenvolvidos, a contaminação por aflatoxina raramente ocorre em alimentos, a ponto de causar aflatoxicose aguda em humanos. Em vista disso, estudos em humanos para se conhecer a toxicidade a partir da ingestão de aflatoxina, baseiam-se em seu potencial carcinogênico. A susceptibilidade relativa de humanos às aflatoxinas não é conhecida, entretanto, estudos epidemiológicos na África e sudeste da Ásia, onde há grande incidência de hepatocarcinomas mostram uma associação entre a incidência de câncer e a aflatoxina contida na dieta. Estes estudos, contudo, não provam ainda, uma relação de causa/efeito, mas, sugerem a associação. Além de sua associação com doença do fígado, as aflatoxinas podem afetar o rim, baço e pâncreas.
Há várias micotoxinas com propriedades tóxicas aguda, subaguda ou crônica que podem produzir doenças no ser humano. Por serem resistentes ao calor representam um grande risco quando presentes no alimento. Efeitos agudos de gastroenterites podem ser identificados; contudo os efeitos crônicos resultam de ingestão moderada e ao longo do tempo, dificultando o reconhecimento da associação entre a toxina e a doença.
A ochratoxina A é nefrotóxica e carcinogênica, podendo estar envolvida em nefropatias endêmicas, em neuropatia intersticial crônica que tem sido associada a tumores de trato urinário. As fumisinas, presentes em produtos à base de milho, têm sido associadas a câncer de esôfago. Outras variedades de micotoxinas podem provocar hiperestrogenismo ou dores de cabeça, alergias, redução da imunidade, dentre outros danos.
Cabe destacar que a denominação “aspergilose” é dada para designar uma síndrome clínica pulmonar, crônica, causada pela inalação de ar contaminado por várias espécies de Aspergillus. A aspergilose invasiva pode ocorrer, principalmente em pacientes que estejam recebendo terapias citotóxicas ou imunosupressoras. Estes organismos podem ainda infectar locais de implante de próteses (válvulas cardíacas) bem como provocar otomicoses e infecções paranasais.
2. Agente etiológico – a toxina denominada aflatoxina produzida pelos fungos Aspergillus flavus e A. parasiticus e outras espécies de micotoxinas produzidas por Fusarium e Penicillum.
3. Ocorrência – a freqüência relativa de aflatoxicose em humanos é desconhecida. Casos esporádicos tem sido relatado em animais. Um dos mais importantes registros de aflatoxicose em humanos ocorreu em mais de 150 aldeias em distritos adjacentes a dois estados vizinhos, no noroeste da Índia, no outono de 1974 – 397 pessoas foram afetadas e 108 pessoas morreram. Neste surto, o milho, o principal constituinte da dieta, apresentou índices de 0,25 a 15 mg/Kg. A dose diária de aflatoxina B1 ingerida foi estimada em pelo menos 55 ug/Kg do peso corpóreo para um número indeterminado de dias. Os pacientes apresentaram febre alta, icterícia progressiva e rápida, edema em membros, dor, vômitos e fígado aumentado. O aparecimento de sinais da doença na população de uma aldeia foi precedida por uma doença similar em cães domésticos, que normalmente era fatal. O exame histopatológico em humanos mostrou uma extensa proliferação no ducto biliar e fibrose periportal no fígado junto com hemorragias gastrointestinais nos pacientes. Dez anos após o surto na Índia, foram encontrados sobreviventes que se recuperaram e não apresentaram nenhum efeito da doença.
Um segundo surto da aflatoxicose foi relatado na Kenya em 1982 – 20 pacientes foram hospitalizados com 60% de mortalidade, a dose diária de aflatoxina ingerida foi estimada em no mínimo 38 ug/Kg do peso corpóreo para um número indeterminado de dias. Numa tentativa deliberada de suicídio, um laboratorista ingeriu 12 ug/Kg da aflatoxina B1 por dia, por um período maior que 2 dias, e 6 meses depois, 11 ug/Kg corpóreo por dia, por um período maior que 14 dias. Com exceção de sintomas transitórios como náusea, erupções cutâneas e dor de cabeça, nenhum efeito da doença foi observado; entretanto, este nível pode servir de parâmetro como nível limite de aflatoxina B1 que não causa efeito em seres humanos. Exames físicos e de sangue, incluindo testes de função hepática foram normais neste paciente 14 anos depois.
São escassas as informações sobre surtos de aflatoxicose em humanos, devido, principalmente, às dificuldades da assistência médica e sistemas de vigilância nas áreas onde os níveis de contaminação por aflatoxina são ainda altos nos alimentos; assim muitos casos não são diagnosticados ou notificados. No Brasil não há dados sobre surtos ou casos por essas intoxicações por aflatoxinas e outras micotoxinas.
4. Reservatório – espécies de Aspergillus são amplamente distribuídas na natureza, particularmente na vegetação em decomposição e no solo. Outras micotoxinas produzidas por outras espécies de fungos são encontradas também em grãos e inclusive, em algumas frutas.
5. Período de incubação – pouco descrito na literatura, no que se refere quando ingerido. Quando inalado, dois dias a semanas.
6. Modo de transmissão – ingestão de alimentos contaminados com aflatoxinas e outras micotoxinas (forma alimentar) ou aspiração de Aspergillus (forma pulmonar).
7. Susceptibilidade e resistência – a ampla distribuição do Aspergillus e a ocorrência esporádica da doença parece apontar para uma alta resistência dos seres humanos, no que tange à forma pulmonar. Humanos e animais são susceptíveis aos efeitos agudos da aflatoxicose, sendo que a probabilidade da exposição a níveis altos de aflatoxina é remota em países desenvolvidos e especialmente onde há controle sanitário dos grãos. Em países não desenvolvidos, a susceptibilidade em humanos pode variar com a idade, saúde e níveis e duração da exposição.
8. Conduta médica e diagnóstico – a aflatoxicose em humanos e outras intoxicações por micotoxinas têm sido raramente relatadas, provavelmente, por dificuldades diagnosticas. A aflatoxicose e similares devem ser suspeitadas quando um surto da doença exibir as seguintes características: a) a causa não é rapidamente identificada; b) condições de não transmissibilidade entre as pessoas; c) a investigação aponta para uma associação com certas quantidades de alimentos; d) o tratamento com antibiótico ou outras drogas tem pouco ou nenhum efeito; e) evidências de sazonalidade – ex.: condições climáticas podem ter influência no crescimento.
Os efeitos adversos das aflatoxinas em animais (e presumivelmente em humanos) têm sido classificados em 2 formas gerais: a) a aflatoxicose aguda é produzida quando índices moderados a altos de aflatoxinas são consumidos. Especificamente, episódios agudos da doença podem incluir hemorragia, danos hepáticos agudos, edema, alteração na digestão, absorção e/ou metabolismo de nutrientes e possíveis óbitos; b) a aflatoxicose crônica é resultante da ingestão baixa a moderada de aflatoxina. Os efeitos geralmente são subclínicos e dificultam o reconhecimento. Alguns sintomas comuns são atraso no crescimento com ou sem síndrome evidente da aflatoxina.
9. Tratamento – tratamento de suporte ao paciente nos casos agudos e dos danos e complicações.
10. Alimentos associados – a aflatoxina tem sido identificada em milho e seus derivados, amendoins e seus derivados, sementes de algodão, leite e nozes como no caso do Brasil – pistaches e nozes brasileiras, pecans e outras espécies. Outros grãos e nozes podem ser susceptíveis, mas menos predispostos à contaminação. Há vários procedimentos químicos para identificar e mensurar as aflatoxinas nos alimentos. Outras micotoxinas são encontradas também em grãos, no café, tomate, uva, etc..
11. Medidas de controle – 1) notificação de surtos – a ocorrência de surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da transmissão através de medidas preventivas (interdição de produtos contaminados, medidas educativas, entre outras). Um caso agudo identificado constitui agravo à saúde e deve ser imediatamente notificado, pois pode representar um potencial surto. Orientações poderão ser obtidas junto à Central de Vigilância Epidemiológica – Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466. 2) medidas preventivas – medidas sanitárias em relação à produção dos grãos – plantio (cuidados com o solo), colheita e armazenamento; vigilância da qualidade dos produtos comercializados; educação sanitária de plantadores, conscientização da população sobre os risco de consumo de produtos de origem desconhecida, dentre outras. 3) medidas em epidemias – investigação de casos e surtos e identificação dos alimentos para controle e prevenção.
12. Bibliografia consultada e para saber mais sobre a doença
1. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Control of Communicable Diseases Manual. Abram S. Benenson, Ed., 16 th Edition, 1995, p. 57-59 e 325-326.
2. FDA/CFSAN (2003). Bad Bug Book. Aflatoxins. URL: http://www.cfsan.fda.gov/~mow/chap41.html
3. Lindsay, F. Chronic Sequelae of Foodborne Disease. EID, 3(4)1-12, Oct./Dec. 1997. URL: http://www.cdc.gov/ncidod/eid/vol3no4/lindsay.htm