Controle das variáveis pré-analíticas: qualidade para seus resultados

Gláucia Mansur Balsamão, M.V, MSc

O resultado de um exame laboratorial confiável e de qualidade depende do preparo do animal, da coleta do material e do manuseio da amostra coletada. Qualquer variação nos procedimentos pode comprometer o resultado do exame.
Cada veterinário deve padronizar a coleta de amostras para minimizar as variáveis tanto quanto possível.

Variáveis do Paciente

Algumas coisas simples podem causar variações nos resultados dos exames, como por exemplo:

Exercício: Amostras de sangue coletadas imediatamente após o exercício apresentarão hematócrito elevado e elevação do número de leucócitos. Estas alterações desaparecem algumas horas após o exercício. O ideal é esperar o animal relaxar para coletar a amostra.

Estresse emocional: Animais transportados de um ambiente para outro, a presença de um veterinário, pessoas estranhas, sons e odores estranhos, levam ao estresse emocional, o que pode causar um aumento da glicemia devido a liberação de epinefrina e do número de leucócitos e neutrófilos caracterizando o leucograma de stress (neutrofilia, linfopenia e eosinofilia).

Dieta: O ideal é o paciente estar em jejum durante toda a noite (8 a 10 horas) antes da coleta. Amostras coletadas após o animal ter se alimentado pode apresentar-se lipêmica. A lipemia pode causar hemólise, concentração alta de glicose e dos lipídeos e aumento de bilirrubinas. Devido a dieta rica em proteinas ainda pode haver um aumento de uréia, já que as proteínas elevam o nitrogênio.

Drogas: Algumas cefalosporinas provocam alterações de creatininas, as tetraciclinas interferem na determinação da glicose. O ácido ascórbico endógeno e exógeno pode influenciar os testes de glicose e nitrato negativamente. Os glicocorticóides podem alterar a contagem total e diferencial de leucócito, pode aumentar os testes hepáticos, tais como a fosfatase alcalina e a ALT nos cães. A insulina exógena diminui as concentrações séricas de glicose, fosfato e potássio.

Coleta
Cada amostra deve ser coletada em frasco com conteúdo adequado, presença ou não de anticoagulante. Muitos veterinários preferem coletar na seringa e transferir o material coletado para o tubo. Neste caso o material tem que ser transferido imediatamente à coleta para o tubo com anticoagulante a fim de não coagular a amostra. Durante a transferência do material da seringa para o tubo, o sangue deve ser transferido suavemente, pelas paredes do tubo, a fim de evitar a hemólise sanguínea. Cada tubo possui capacidade para uma determinada quantidade de sangue, caso seja colocado sangue a mais da quantidade indicada, ocorrerá coagulação da amostra. Em caso de sangue a menos, a citologia pode apresentar-se alterada.

Preparo do Animal

O ideal seria realizar as coletas com o animal em jejum alimentar de 12 horas, evitando assim as variáveis. Muitas vezes a fluidoterapia também prejudica no resultado dos exames, pois soro glicosado, medicamentos adicionados durante a soroterapia, podem modificar, por exemplo, a concentração de glicose sanguínea. Em casos de impossibilidade do preparo do animail (jejum, medicação) é interessante avisar ao laboratório no qual o material está sendo enviado, para o veterinário que realizará o exame estar ciente das possíveis variáveis. Para a glicemia é indispensável o jejum alimentar, para não acusar uma hiperglicemia alimentar.

Efeitos da Hemólise e da Lipemia nos Resultados Laboratoriais

Exame Alterações Causadas pela Lipemia
Hematologia
Hemoglobina
CHCM
Proteína Plasmática
Aumento
Aumento
Aumento
Análise Sérica
Enzimas
Amilase
Diminuição na Lipemia Severa
Diminuição na Lipemia Severa
Outras Análises
Albumina
Proteina Total
Cálcio
Glicose
Fósforo
Bilirrubina
Potássio, Sódio, Cloro
Diminuição
Diminuição
Aumento
Aumento
Aumento
Aumento
Diminuição se o método envolver diluição
Exame Alterações Causadas pela Hemólise
Hematologia
Contagem de eritrócitos
Hemoglobina
CHCM
VCM
Proteína Plasmática
Antígeno de von Willebrand
Diminuição
Aumento em relação a contagem de eritrócitos e hematócrito
Aumento
Diminuição
Aumento
Diminuição
Análise Sérica
AST
ALT
LD
CK
Amilase
Lipase
ALP
Proteina Total
Albumina
Cálcio
Fósforo
Creatinina
Potássio
Bilirrubina
Aumento
Aumento
Aumento
Aumento
Diminuição
Aumento
Aumento ou Diminuição (depende do método utilizado)
Aumento
Aumento
Aumento
Aumento
Não se altera / Aumento / Diminuição
Aumento (eqüino, bovino, cães da raça Akita)
Leve Aumento

Fonte: Medicina de laboratório veterinário Meyer, coles e Rich. Cap I, pág.05

Fase pré-analítica :  Qualidade desde a primeira hora

Tudo começa no consultório, quando o médico veterinário emite o pedido de exame. Em seguida, vêm a preparação do paciente, a coleta da amostra e o encaminhamento do material para a análise propriamente dita. Se a fase pré-analítica é basicamente a mesma para todos os tipos de exames de patologia clínica veterinária, seu processamento difere conforme a natureza do material coletado.

Publicações recentes relatam que cerca de 70% dos erros laboratoriais acontecem na fase pré-analítica. É nesta fase que o monitoramento das variáveis exige um esforço coordenado de muitos indivíduos e setores envolvidos no processo analítico para manter a qualidade dos serviços do laboratório.

Para garantir que os materiais e amostras tenham a qualidade requerida, é imprescindível implementar metodologias mais rigorosas para detecção, classificação e redução desses erros, já que a maioria deles acontece por falta de padronização nos processos.
Mas a influência das variáveis pré-analíticas poderia reduzir consideravelmente com uma boa orientação aos pacientes sobre as condições de preparo, treinamento de atendimento e coleta, boa seleção de insumos e controles de processo eficientes. Os veterinários têm em comum é o trabalho pelo bem-estar do paciente e pela prestação de serviços à saúde com qualidade. Quanto maior o controle, menor o número de variáveis
Falhas ou processos mal conduzidos na fase pré-analítica impactam diretamente nos resultados laboratoriais. Atualmente, com os avanços tecnológicos e o aperfeiçoamento das metodologias de análise, os erros analíticos reduziram consideravalmente. Já os ocorridos na fase pré-analítica tornaram-se mais visíveis, em decorrência de fatores relacionados ao preparo dos pacientes para os exames, ao procedimento de coleta, ao transporte e ao acondicionamento dos materiais.

A qualidade na prestação de serviço de um laboratório está apoiada no tripé formado pelos recursos humanos, físicos e tecnológicos. A implementação de boas práticas laboratoriais contribui consideravelmente para identificar, reduzir e/ou eliminar as fontes de erros potenciais na rotina laboratorial, utilizando-se como base a educação continuada dos profissionais atuantes. Na fase pré-analítica, essas práticas consistem na padronização dos procedimentos envolvidos, desde a preparação e a orientação do paciente antes da coleta do material até o início da fase analítica.

Mesmo com as diferenças de processos de cada laboratório, para evitar erros laboratoriais e administrativos, o importante é ter todos os processos descritos e entendidos, pelos conhecidos POPs (Procedimento Operacional Padrão). Escrever o passo-a-passo dos processos, determinar os registros críticos, treinar a equipe e manter os documentos disponíveis para consulta são práticas que trazem excelentes resultados, com a vantagem do baixo custo de implantação e da personalização técnica do laboratório.

Na avaliação hematológica, é fundamental o exame do esfregaço sangüíneo, principalmente se a amostra for coletada em fazenda, haras, ou local muito distante do laboratório. Isso é importante porque o anticoagulante altera alguns resultados, e se o tempo entre a coleta e a análise for muito grande, pode gerar um resultado duvidoso. Neste caso, o esfregaço permite que o hematologista identifique se a alteração foi provocada pelo anticoagulante.

Os laboratórios devem disponibilizar as instruções escritas, bem como um número de telefone para orientar os profissionais que realizam a coleta. Em cada um de nossos exames, você poderá ter acesso sobre o volume recomendado para análise, melhor acondicionamento e frasco ideal, considerações sobre resultados e auxílio no diagnóstico.

É muito importante a identificação correta do material com todos os dados (nome e espécie e raça do animal, nome do proprietário etc.). Pode haver animais com o mesmo nome ou proprietários com vários animais na mesma clínica; daí a necessidade dessas informações. São raríssimos os laboratórios de veterinária que utilizam códigos de barra, como no caso de análises de humanos, o que pode aumentar a ocorrência de falhas na identificação do paciente.

Questões específica de coletas em animal

A obtenção de amostras de um animal não é tão tranqüila. Na coleta do sangue, é bom evitar vasos sangüíneos de calibre pequeno. Preferir a jugular, porque a amostra pode ser melhor.

Informar sempre se o animal está em jejum. Não é obrigado estar de jejum, mas é importante ter essa informação para prever possíveis alterações de resultados.

Em exames de urina, orientar o proprietário a utilizar frasco estéril e tomar muito cuidado com a assepsia do animal. Evitar coletar amostras do chão e identificar o método de coleta da urina.

Como há animais muito pequenos, não é possível obter um volume muito grande de amostra. Evitar a hemodiluição com anticoagulante. Se necessário, usar tubos mais adequados, como os pediátricos. A minicoleta pode ajudar a obter a proporção correta.

Muitas vezes, o proprietário do animal coleta a urina em casa, leva à clinica, e, só então, a clínica aciona o laboratório. Neste caso, é importante constar na requisição o horário de coleta da amostra, pois há parâmetros que se alteram com o passar do tempo.

Estresse no animal costuma alterar padrões hematológicos.

Se houver hemólise intensa da amostra (o que pode ser percebido pela cor do sangue), solicitar ao clínico um novo material.

Em caso de análise citológica, é essencial o histórico clínico do animal para a liberação do resultado.

Bibliografia

Manual Saunders Clínica de Pequenos Animais. Birchard, Stephen J.Sherdimg, Robert G. Editora Roca, 1998
Medicina de Laboraório Veteário – Interpretação e Diagnóstico. Meyer, D.J.Coles, Embert H.Rich, Lon J. Editora Roca, 1995
Manual de Hematologia Veterinária. Navarro, Carlos Eugenio K.G.Pachaly, José Ricardo. Livraria Varela, 1994

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